PRIMEIRA AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE O PL 2918 NO SENADO

A primeira audiência sobre o projeto de lei na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal trouxe grande público interessado no debate, muitos especialistas, visões divergentes e controversas, uma acalorada sessão e a promessa de uma longa batalha democrática em prol de um consenso em torno da temática.

Ânimos exaltados, porém respeitosos. Sessão lotada. Grande variedade de opiniões divergentes. Muitos especialistas e autoridades conhecedoras e interessadas no tema. Começou assim  no dia 09/04, às 14h, a primeira audiência pública na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, convocada pelo senador Nelsinho Trad (PSD/MS), para debater – com congressistas, especialistas e a sociedade brasileira em geral – a relevância do PL nº 2918/2021 para o setor hidroelétrico do País, projeto de lei cujo relator é o próprio parlamentar (link para a sessão completa: https://bit.ly/4cOG4K5).

Subscrito pelo senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), que se licenciou de suas funções legislativas também no dia 09/04 para um tratamento de saúde, o PL foi uma sugestão da Associação Nacional de Municípios Sedes de Usinas Hidroelétricas e Alagados (AMUSUH), após um longo e detalhado estudo técnico da entidade referente ao atual setor hidroenergético brasileiro.

Presidida pelo senador Nelsinho Trad, a primeira mesa da audiência pública foi composta por Claudio Girardi, consultor jurídico e membro da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB/DF; Giordano Almeida de Azevedo, coordenador do Grupo Assessor do Modelo Integral de Avaliação Global do Ministério de Ciência e Tecnologia; Giuseppe Serra Seca Vieira, secretário nacional de Segurança Hídrica do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional; e Veronica Sánchez da Cruz Rios, diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Necessidade de revisão e adequação da CFURH

Com a palavra, Claudio Girardi expôs as principais razões sobre a relevância do PL para uma necessária mudança na legislação sobre o setor hidroelétrico. “A partir de 1998, a legislação sobre a CFURH deveria ter sido revista e adequada ao novo regime jurídico estabelecido, já que, a partir de então, foi estabelecida uma referência de preço específica para a geração de energia elétrica na fonte produtora. Como consequência de mudanças no setor, não seria mais necessária a decomposição da tarifa da distribuidora para o cálculo da Tarifa Atualizada de Referência [TAR], metodologia que até hoje é mantida para o cálculo da CFURH”, afirmou ele.

Em seguida, o consultor disse que “é importante registrar que o art. 20, § 1º, da Constituição Federal dispõe sobre a CFURH e também sobre a exploração do petróleo e da mineração. Para essas duas últimas atividades, a legislação é clara ao se referir ao ‘resultado da exploração’, enquanto no caso dos recursos hídricos há dúvidas por parte dos entes federativos, tendo em vista a complexa expressão matemática para se chegar ao valor devido. O projeto de lei que hoje é objeto desta audiência pública se faz necessário para corrigir as distorções no cálculo da CFURH e trazer segurança jurídica e tranquilidade aos entes federados mais vulneráveis [743 municípios], que tiveram áreas alagadas para a implantação de usinas hidroelétricas e cujos recursos advindos da compensação financeira podem e são utilizados para a implantação de políticas públicas municipais”.

Na condição de ex-procurador da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e profundo conhecedor do tema, Claudio Girardi por fim afirmou que a regulamentação da ANEEL que inclui encargos sem amparo legal e exclui o mercado livre do cálculo da CFURH não cumpre o que a Constituição determina para a compensação financeira de estados e municípios pelo uso de recursos hídricos e, por isso, a legislação atual deve ser modificada.

 

Cenário do setor elétrico de 34 anos atrás

 

A segunda mesa de debates foi composta por Gustavo Gonçalves Manfrim, subsecretário de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Ministério de Minas e Energia; Otávio Augusto Giantomassi Gomes, presidente da AMUSUH e prefeito de Ilha Solteira (SP); José Fábio de Moraes Jr.; especialista do setor hidroelétrico e consultor da AMUSUH; e Ludmila Lima da Silva, superintendente de Concessões, Permissões e Autorizações da ANEEL.

Em sua fala, Ludmila Lima da Silva afirmou que a terminologia usada no PL para calcular a cobrança das hidrelétricas, a receita bruta total das concessionárias, acarreta uma preocupação em relação ao aumento das tarifas aos usuários. “A gente tem uma preocupação, como gestores da tarifa para os consumidores, com o aumento que isso pode acarretar”, argumentou a superintendente, que estimou um impacto de R$ 2 bilhões ao ano nos custos de energia.

Com a palavra, o consultor José Fábio apresentou informações e dados que refutaram as colocações da superintendente, explicando que a base de cálculos usada atualmente para a aferição da CFURH, que leva em conta a energia comprada pelas distribuidoras, reporta ao cenário do setor elétrico de 34 anos atrás, quando as concessões eram verticalizadas e remuneradas por tarifa única, que exigiam a decomposição de diversos fatores para se obter o custo da geração de energia. Em seguida, ele afirmou que as inclusões dos parâmetros do Decreto nº 3739/2001, que não contam com o amparo da legislação, penalizam os cálculos da CFURH, impondo ônus aos beneficiários.

A seguir, ele disse que o PL servirá para corrigir uma interpretação contraditória da legislação em relação ao cálculo da CFURH que resulta em graves perdas de seu repasse aos municípios e estados em beneficio da União.

“Portanto, a necessidade do PL 2918 se faz urgente para atualizar a legislação que regulamenta a CFURH, para restabelecer os valores compatíveis com os resultados atuais do setor elétrico, utilizando a fonte de dados do gerador e não mais das distribuidoras. Com isso, captura-se toda a geração e elimina-se a necessidade de decompor a tarifa das distribuidoras”, concluiu ele.

Ausência de instrumentos da ANEEL para aferir o mercado livre

 

Com a palavra, Gustavo Manfrim disse que “queria parabenizar o senador Heinze pela autoria do projeto, de tanta importância, haja vista que é uma legislação de mais de 30 anos, porque há o mérito de que sejam feitas sua revisão e atualização. Neste sentido, em nome do MME, gostaria de trazer algumas observações, até em caráter sugestivo aqui, se me permitem, principalmente em relação ao que consta [no tocante] à base de cálculo, trazida aqui no âmbito do PL”, afirmou.

“O primeiro ponto que eu gostaria de trazer é em relação a essa mensuração ou à aferição desses preços principalmente no mercado livre. A gente sabe que essas transações são bilaterais, são contratos entre partes, […] e a ANEEL não tem acesso direto a esses preços, tampouco o MME, tampouco a própria CCEE. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica tem acesso aos montantes, mas não aos preços, aos contratos. Então, existe aqui até uma questão sobre a propriedade dessa informação”, salientou.

“No nosso entendimento, […] as empresas têm a obrigação de entregar essas informações aos fiscos, tanto estadual quanto federal. […] Então, fica a questão: como fiscalizar esses preços [no ambiente de contratação livre]? Seria uma divulgação meramente declaratória por parte dos geradores? Sendo declaratória, quais seriam os instrumentos que a ANEEL teria para fiscalizar esses preços? Ela [a ANEEL] tem acesso a bases de dados que possibilitariam o cruzamento de informações? São questões aí que a gente coloca [para melhorar o debate]”, argumentou ele.

 

Esclarecimento da Diretoria da AMUSUH

 

Por fim, fazendo uso da palavra, o presidente da AMUSUH, Otávio Gomes, fez questão de apaziguar os ânimos, dizendo que gostaria de realizar um esclarecimento e afirmando que, para isso, o local e o momento não seriam melhores, uma vez que estavam todos ali reunidos e interessados no contexto do PL 2918/2021.

“Muito tem-se afirmado no Senado Federal, na Câmara dos Deputados e nos órgãos do Poder Executivo que o PL irá acabar com a ANA. Segundo os mesmos rumores, este seria o interesse da AMUSUH. Por isso, venho como presidente da AMUSUH e prefeito do município de Ilha Solteira para refutar veementemente essa afirmativa, porque ela é descabida e não reflete nosso interesse como entidade, que sempre foi lutar pelo fortalecimento dos municípios e das instituições públicas”, afirmou ele.

“Queremos unicamente garantir a constitucionalidade dos nossos direitos. Não é do nosso interesse prejudicar nenhuma entidade na tramitação do PL 2918/2021, seja a ANA ou qualquer órgão ou concessionária”, asseverou.

“Nós, como representantes de municípios e dos entes federados, queremos com o PL 2918/2021 corrigir as distorções da legislação até hoje vigente, que foi muito útil no passado, mas que desde 1998 não condiz mais com o setor elétrico atual. Ou seja, a legislação que calcula a CFURH dos entres federados não evoluiu para a realidade que vivemos hoje no setor hidroelétrico”, argumentou ele.

“Pela letra estrita da lei, é notória a errônea interpretação da legislação quanto à forma de cálculo da arrecadação e distribuição dos recursos da compensação financeira aos entes federados, que têm direito a ela devido à perda das nossas terras produtivas para dar espaço às represas das usinas para a geração de energia elétrica. É um erro de interpretação que vem prejudicando não só os municípios, mas também os estados e a própria União e seus órgãos públicos”, disse.

Em seguida, ele pontuou que “nós queremos o justo: queremos que cada ente federado receba o que é seu, com base no seu direito constitucional, conforme determina o art. 20 da Constituição Federal de 1988”.

Por fim, concluiu que “o PL 2918/2021 está aí para abrir o debate entre todos os envolvidos, para que possamos chegar a um consenso e a um acordo justo, juntamente com o relator. Queremos apenas o que nos é de direito, segundo a Constituição Federal, como era no período inicial da CFURH, entre 1991 e 1998, antes da reforma do setor elétrico, quando se retratava a real produção da energia hidroelétrica no País”, finalizou.

Uma segunda audiência pública para tratar do mesmo tema está programada para maio.

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