Governo aponta para ser mais austero do que 2ª gestão de Lula
Para cientista político, Dilma já mostrou perfil diferente do antecessor
Eleita na esteira da popularidade do antecessor, Dilma Rousseff já deu sinais de que a sua gestão terá marca própria, avalia o cientista político e professor da FGV de São Paulo Cláudio Gonçalves Couto.
Para ele, Dilma agiu com mais “restrição” na negociação de cargos com a base aliada e foi mais dura com insubordinações. Sobre as reformas tributária e política, Couto vê pouca disposição da presidente para “gastar combustível político” com debates.
O Globo – Como Dilma se saiu na formação do governo e na acomodação de aliados?
Couto – Ela fez um começo de governo disposta a comprar brigas que talvez sejam importantes num momento de formação e definição do espaço de cada partido da coalizão. Privilegiou o PT e repete o que foi o primeiro mandato do Lula. Agora, me parece que a escolha se deu por certa desconfiança que tinha de certas figuras do PMDB para ocupar posições estratégicas, como a Saúde. Esse perfil mais restritivo de negociação tem a ver com a preocupação de conferir um perfil mais técnico a certas áreas, e isso tem muito a ver com o perfil dela.
O Globo – A acomodação é sustentável ou a pressão dos aliados deve aumentar?
Couto – É sustentável, se não houver grandes crises no governo.
O Globo – O que diferencia Dilma e Lula nas negociações com os partidos?
Couto – Ela foi hábil no sentido de congelar a distribuição de cargos a cada crise que acontecia. Mandou um aviso: não cederei sob pressão. Foi uma decisão acertada.
O Globo – A promessa de nomeações mais técnicas do que políticas não ficou só no discurso?
Couto – Ela conseguiu fazer isso, em parte, no segundo e terceiro escalão, que é onde mais importa. Ministros não precisam ser técnicos, mas sim órgãos de natureza administrativa. O governo aponta para ser um governo mais austero do que o 2º mandato do Lula, mais contido no gasto público e mais ortodoxo na projeção. Pelo perfil da Dilma, como alguém que disciplina seus subordinados, ela demonstrou que o governo tem que ter fala única para fora e que ela será mais dura com insubordinações.
O Globo – Temas prioritários como as reformas política e tributária não voltaram à agenda de Dilma após a campanha. Isso pode indicar falta de disposição do governo para entrar nas discussões?
Couto – Duvido que o governo vai entrar diretamente nas duas reformas. No caso da reforma política, o governo entrar na discussão pode significar contrariar aliados. Na tributária, o problema é a fragmentação de interesses dos estados, e aí a coisa pega. Vejo mais disposição no sentido de implementar ações pontuais para reduzir burocracia e facilitar a vida do contribuinte do que mudança radical da estrutura tributária. Ela já entendeu que isso não avança e não deverá gastar o combustível político com isso.
O Globo – Há dúvida se Dilma conseguirá imprimir marca própria à gestão ou seguirá sendo a sucessora de Lula. O que o início de governo sinaliza?
Couto – Ela claramente tem um perfil muito diferente do presidente anterior. Não é uma figura tremendamente carismática e com perfil de político de palanque. É mais técnica, e tudo isso vai, aos poucos, imprimir uma marca diferenciada ao governo. Acho difícil imaginar que marca será essa agora. É muito cedo. Mas alguma coisa já começa a aparecer. Talvez essa marca própria fique mais clara ao final deste ano.
*Fonte: Jornal O Globo, 03/04/2011