Entenda como a distribuição do ICMS pode mudar e afetar as cidades
Hadassah Laís S. Santana
(Professora na Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas)
Marcos Aurélio Valadão
(Professor na Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas)
Marjorie Madoz
(Doutoranda em Economia na Fundação Getulio Vargas)
Compreender as nuances e implicações da atual proposta de Reforma Tributária em discussão no Senado Federal é crucial para delinear os possíveis desdobramentos nas finanças municipais. Atualmente, o critério determinante na partilha do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) entre os municípios é o Valor Adicionado Fiscal (VAF), que reflete o valor agregado às operações tributáveis pelo ICMS, servindo como um indicador da atividade econômica local. Essa metodologia tem fomentado a cooperação entre os entes federados e impulsionado o desenvolvimento econômico nos municípios.
A proposta de Reforma Tributária traz consigo uma mudança substancial no critério preponderante para a distribuição do ICMS. Ao atribuir maior peso à população, municípios mais densamente habitados receberiam uma parcela proporcionalmente maior. Embora, à primeira vista, essa abordagem possa parecer equitativa, é de suma importância examinar com cautela as possíveis implicações e desigualdades que tal alteração pode ocasionar.
Atualmente, a legislação em vigor leva em consideração critérios ambientais na distribuição do ICMS entre os estados. No entanto, a proposta de Reforma Tributária propõe que o critério populacional passe a ter uma preponderância significativa, relegando outros fatores, como os ambientais, a um segundo plano. Essa mudança suscita preocupações substanciais, uma vez que a estrutura consolidada e crucial na definição das políticas públicas municipais e estaduais poderia ser prejudicada. Municípios que tradicionalmente se beneficiam desses critérios agora se veriam limitados ao critério populacional. Isso certamente irá desincentivar investimentos em práticas sustentáveis e na preservação ambiental, criando um desafio nacional para o desenvolvimento sustentável em várias regiões do País.
Para exemplificar, estados como o Ceará, com seu foco em saúde e meio ambiente, demonstram um compromisso com o bem-estar da população e a preservação do ecossistema local. Da mesma forma, no Espírito Santo, a gestão avançada de saúde e o consórcio para a prestação de serviços de saúde refletem o empenho na melhoria da qualidade de vida. Esses estados e outros, que priorizam critérios ambientais em sua distribuição do ICMS, serão sem dúvida afetados pela mudança proposta na Reforma Tributária.
Ao se analisarem os impactos da proposta da Reforma Tributária, observa-se que a mudança aprovada na Câmara dos Deputados tende a aumentar a aderência da cota-parte do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ao tamanho populacional. No entanto, o VAF, critério orientador da distribuição da cota-parte, existente desde a instituição do antigo ICM, depois ICMS e, em breve, IBS, embora seja um critério que privilegie a colaboração com os estados e estimule o desenvolvimento econômico, deixará simplesmente de ser usado. Isto afetará negativamente uma grande quantidade de municípios produtores. Esses municípios ficarão sem recursos para a manutenção de suas infraestruturas e a quitação de outras despesas decorrentes do viés produtivo da sua economia, especialmente as relacionadas à preservação ambiental.
Ao se adotar o critério populacional como preponderante, a redistribuição pretendida impactará não apenas uma grande quantidade de municípios menos populosos, mas também percentuais significativos dos municípios altamente populosos. Oito estados (dentre eles, Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro) apresentam um número maior de municípios que mais perdem do que ganham com os atuais critérios da Reforma Tributária.
A análise dos dados aponta para um viés inadequado na distribuição de recursos, sinalizando que o critério de população como fator preponderante pode carregar um aspecto puramente político-democrático, mas não eficiente. A equipe responsável pela Reforma deve agir com diligência, buscando conciliar a simplificação dos impostos com a preservação dos interesses municipais. É imperativo lembrar que o progresso econômico e social das cidades é o cerne desta iniciativa. Este é um desafio de alta relevância e impacto para o futuro do País.
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