GUSTAVO LOYOLA

por | 31 mar, 2011 | Entrevistas | 0 Comentários

BC está mais tranquilo que o mercado

Gustavo_LoyolaGustavo Loyola, sócio da Consultoria Tendências e ex-presidente do Banco Central (BC), acha que o Relatório de Inflação, divulgado ontem (ver página B1), indica que o BC está tomando riscos maiores com a inflação. Para ele, o BC aposta que uma série de hipóteses favoráveis se tornarão realidade.

Estado O que o sr. achou do Relatório de Inflação?

Loyola Foi bem “dovish” (expressãoderivada de “pombo” em inglês, indicando menos intolerância ao risco inflacionário). O tom é que o BC está muito confiante em que as medidas até aqui adotadas vão fazer con que a inflação convirja para a meta em 2012. Em 2011, não se discute mais a meta de 4,5%, está descartado.

O Carlos Hamilton (diretor de Política Econômica do BC) declarou que os BCs têm de fazer com que essa convergência, na presença de choques de oferta, não seja muito rápida, pois isso imporia um custo muito grande. O que me chamou mais a atenção foi o BC com menos sentido de urgência em relação à inflação, mais tranquilo que a média do mercado.

Estado Por que ele está assim?

Loyola Porque acredita que as medidas até aqui adotadas – as fiscais, as chamadas macroprudenciais(aumento de compulsórios e de exigência de capital mínimo nos bancos), e mais o aumento dos juros – são suficientes para fazer a convergência desejada da inflação em 2012.

Estado Qual a implicação disso?

Loyola Traduzindo para as ações de curto prazo do Copom, significa uma alta menor da Selic (taxa básica de juros). A minha expectativa era que o BC fizesse mais duas altas de meio ponto porcentual na Selic, mas agora, com essa ata, acho que não é de descartar a hipótese de mais uma só de meio. O sinal que o BC deu parece ser o de que o aumento de juros será o mínimo possível daqui para a frente.

Estado Que outros aspectos importante o sr. viu no relatório?

Loyola A confirmação da ideia de que as expectativas de inflação hoje não têm para o BC a importância que tiveram durante muito tempo, desde o início do regime de metas. O BC está de certa forma minimizando o papel das expectativas, o que me parece meio heterodoxo do ponto de vista do regime, que pressupõe que as expectativas têm um papel importante na convergência da inflação. E o arcabouço pressupõe que o BC tem um papel ativo na coordenação dessas expectativas. Desde o ano passado, o BC parece ter um julgamento pouco favorável sobre o processo de formação de expectativas, considerando que ele é basicamente influenciado pela inflação contemporânea, com pouco poder preditivo. Acho que essa também foi uma mudança que esse relatório sedimenta.

Estado Mas isso não aparece explicitamente…

Loyola Sim, mas se deixa entrever. Há uma minimização sistemática do papel da expectativas. É verdade que o Carlos Hamilton, em algum momento da sua entrevista ontem, desmentiu o que eu disse, afirmando que as expectativas de mercado continuam importantes. Mas a idéia de que as expectativas estão descoladas da meta não traz ao BC aquela mesma necessidade de agir que trazia antes.

Estado E quanto às medidas macroprudenciais?

Loyola O BC as incorporou definitivamente no seu modelo. E aí temos um problema, porque é muito difícil modelar quais são os efeitos dessas medidas sobre a inflação. É difícil firmar um consenso ou uma convergência em relação a isso.

Estado O sr. acredita que a inflação volte ao centro da meta em 2012?

Loyola Nesse mundo não existem certezas, mas probabilidades. Me parece que o BC está menos avesso ao risco inflacionário. Ele parece estar apostando em algumas hipóteses que podem até se materializar, mas isso significa que está correndo mais riscos. Eles estão apostando que a atividade econômica está mais arrefecida, e, de fato, está, mas talvez não tanto quanto o BCacredita. Estão apostando que o preço das commodities tenha uma rajetória no mínimo de estabilidade daqui para a frente, o que seria favorável para a inflação. Eles estão esperando o efeito das medidas macroprudenciais sobre o crédito. Estão muito confiantes na política fiscal, em que o governo entregue o superávit prometido. Se todas essas hipóteses se materializarem, é evidente que a inflação cai e a convergência se realiza. Mas eu acho que o BC está se arriscando um pouco mais que no passado.

*FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, 31/03/2011

 

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