Ministros não decidem com o pé na lua
Nas eleições de 2010, a Lei da Ficha Limpa influenciou a escolha de 73% dos eleitores, comenta o professor de direito constitucional Joaquim Falcão, da FGV Direito-Rio. Independentemente da decisão do Supremo Tribunal Federal, diz, a lei já foi adotada pela população.
Sobre a decisão dos magistrados, Falcão reforça que nenhum artigo da Constituição protege por mais quatro anos candidatos que, segundo a própria justiça, violaram a moralidade constitucional.
A seguir, a entrevista concedida por e-mail:
Valor – Valor: O que o senhor achou da decisão do Supremo?
Falcão – Não está escrito na Constituição que o principio da anterioridade da lei (a lei só valer depois de um ano de promulgada) vale mais do que o princípio da moralidade pública. Não há nenhum artigo da Carta que expressamente proteja por mais quatro anos candidatos que segundo a própria justiça violaram a moralidade constitucional. Não existe direito fundamental de se beneficiar da imoralidade cometida, mesmo que seja por mais dois anos.
Valor – Se os ministros baseassem o voto na presunção da inocência a lei teria caído?
Falcão – Não existe presunção de inocência no caso, por que os candidatos proibidos de concorrer já tinham sido julgados em no mínimo duas instâncias. Para o estado democrático de direito, duas instâncias são suficientes. Não eram mais judicialmente inocentes.
Valor – Qual o futuro dessa lei?
Falcão – Pesquisa inédita da FGV Direito Rio, realizada pela professora Luci de Oliveira, uma semana depois das eleições, perguntou aos eleitores se eles aprovavam ou não a então decisão do Supremo de que a Ficha Limpa deveria valer para aquele ano (2010). 83% responderam que aprovavam a lei e 90% aprovam a decisão do STF de deixar para o TSE a decisão da validade. Além disso, 73% levaram em consideração a lei de Ficha Limpa ao votar. Ou seja, independentemente da nova decisão do Supremo, a Lei de Ficha Limpa já esta sendo adotada pelos eleitores.
Valor – A lei é constitucional?
Falcão – A lei é constitucional. Vai valer para as próximas. Esta é também uma das conclusões do voto do [ministro Luiz] Fux.
Valor – A decisão do STF de determinar quem pode concorrer esvazia o princípio da soberania popular?
Falcão – Como Sepúlveda Pertence disse certa vez em um voto, um ministro do Supremo “não decide com os pés na lua”. Os ministros do Supremo são representantes dos cidadãos. A representação é baseada não no voto como os congressistas e os governadores ou presidente, mas na sintonia com os valores de seus cidadãos, como diz o min. S. Brewer da Supremo Corte americana. E os cidadãos neste caso tinham já optado: entre o princípio da anualidade e o da moralidade, preferem este.
Valor – O Judiciário está se sobrepondo ao Legislativo?
Falcão – Está ocupando os vazios. E o Legislativo está encontrando dificuldades em se unir para reagir, o que seria parte do jogo democrático.
Valor – Qual o limite do ativismo judicial?
Falcão – Só a história dirá. E como vai se desenvolver a harmonia ou competição entre Legislativo, Judiciário e Executivo. (CA)
*Fonte: Jornal Valor Econômico, 25/03/2011