Professores doutores de grande reputação na área tributária brasileira divulgam pesquisa com dados por região, estado e município, detalhando as consequências da extinção do VAF do ICMS sobre o desenvolvimento nacional
Paulo Castro (Ascom/AMUSUH)
Nesta terça-feira (24/10), praticamente no dia definido pelo senador Eduardo Braga para apresentar o Relatório do Senado Federal referente à PEC 45/19, relativo à Reforma Tributária, professores doutores tributaristas de renome nacional divulgaram o relatório preliminar da pesquisa: “Impacto da Reforma Tributária nas Finanças Municipais: Efeitos do novo critério da distribuição do IBS pertencente aos municípios” (acesse o estudo na íntegra aqui), cujo objetivo foi compreender as consequências e o possível cenário para as finanças públicas municipais do País em decorrência da aprovação da PEC, especialmente em relação à substituição da sistemática de distribuição da cota-parte do ICMS aos municípios.
O estudo foi assinado pelos professores doutores Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, presidente da Comissão da Reforma Tributária da OAB/DF; Hadassah Laís S. Santana, vice-presidente da Comissão da Reforma Tributária da OAB-DF, professora de pós-graduação stricto sensu da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisadora do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, em Portugal; Liziane Angelotti Meira, professora, pesquisadora e coordenadora de programa de pós-graduação stricto sensu da FGV e coordenadora do grupo de pesquisa da Capes “Família e Políticas Públicas: Projeção Econômica das Famílias”, com doutorado em Direito pela PUC de São Paulo, além de mestre e especialista pela Universidade de Harvard; e Marcos Aurélio Pereira Valadão, pós-doutor em Direito pela UnB e doutor em Direito pela Southern Methodist University, dos EUA.
A pesquisa constitui o mais detalhado diagnóstico feito, até agora, sobre as mudanças nos critérios de partilha dos 25% do novo imposto IBS. “A pesquisa pode ser definida nos seguintes termos: ‘em que medida a Reforma Tributária, no que concerne à distribuição do IBS aos municípios, garante a manutenção das políticas públicas e dos serviços públicos municipais atualmente respaldados financeiramente pela quota-parte do ICMS?’”, explicou a professora doutora e tributarista Hadassah Santana, que coordenou o estudo.
A pesquisadora afirmou, ainda, que o estudo verifica se é válida ou não a hipótese de que a extinção do Valor Adicionado Fiscal (VAF) do ICMS pode prejudicar o acesso da população brasileira às políticas públicas e aos serviços públicos municipais. “A resposta é que a hipótese não só é válida, como mostra a exatidão do prejuízo aos municípios e, consequentemente, ao País como um todo”, destaca a docente.
Segundo ela, a concentração da receita na União, em paralelo à descentralização das responsabilidades do Estado na prestação de serviços públicos, é um fator que pode dar origem a desequilíbrios de natureza fiscal, gerando a necessidade de transferências financeiras entre entidades federativas de diferentes níveis, para amenizar os impactos da extinção do critério do VAF. Critério este que, aliás, além de servir como um índice do desenvolvimento nacional, também constitui uma receita de origem direta e segura dos municípios, razão pela qual, se for revogado pela Reforma Tributária, se acarretará um inevitável desequilíbrio aos entes federados municipais, provavelmente de maneira irremediável, com prejuízos às suas respectivas populações.
“O VAF do ICMS se enquadra entre as transferências livres, que são aquelas que se referem a repasses que não demandam intervenção ou controle direto por parte do Governo Federal. Essas transferências são incorporadas às receitas dos entes beneficiários sem uma aplicação pré-determinada, o que constitui uma fonte de receita segura dos municípios”, afirmou ela.
Critério populacional
Uma crítica da pesquisa aos critérios definidos pelos deputados na votação da PEC 45/19 em julho (e praticamente mantidos no relatório do senador Eduardo Braga), refere-se não apenas à extinção do VAF/ICMS, mas também ao critério que majoritariamente leva em conta o quantitativo populacional para a partilha do novo imposto criado, o IBS.
“O novo critério constante da PEC 45, com base exclusivamente no critério populacional, em uma perspectiva meramente superficial, parece atender ao aprimoramento dos índices sociais do País, mas – quando realizamos um aprofundamento da nossa análise, conforme demonstramos no estudo –, evidenciamos claramente que o efeito é justamente o inverso. Em resumo, gera-se um confronto com os princípios básicos de desenvolvimento e combate à pobreza e desigualdade, constantes do Art. 3º, alíneas II e III, da Constituição Federal”, ressaltou a docente.
Outro aspecto importante levantado no estudo é que a sistemática de distribuição baseada apenas na população, para a parte não dependente de regulamentação estadual, provoca o comportamento indesejado de desincentivo à fiscalização do IBS pelos municípios produtores. “Ou seja, os novos critérios, além de injustos e ineficazes, podem levar à corrosão da arrecadação”, aponta Hadassah Santana.
A pesquisadora explica que o critério populacional, para a realidade brasileira, tende a atuar como um mecanismo concebido que carece de maior justiça social, uma vez que tende a desestimular a produção, o investimento, a geração de emprego, o que gera mais pobreza e desigualdade social.
Para a docente, outra solução seria equalizar os fatores de distribuição, de forma a minimizar os efeitos negativos da distribuição da cota-parte do IBS pelo critério da população, mas sem desconsiderar o critério e dando prevalência ao VAF, além de considerar indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerando o nível socioeconômico dos educandos, de acordo com o que dispuser lei estadual. “Esta forma de distribuição traduz uma melhor equalização dos critérios, sem desconsiderar o tradicional e eficiente critério do valor adicionado fiscal”, completa ela.
Por fim, no estudo, os pesquisadores concluíram que, tendo em vista o contexto suscitado pelos atuais critérios definidos pela Reforma Tributária, “urge revisar as alterações propostas constantes da PEC 45/19, para evitar a desestruturação justamente dos pequenos e médios municípios que produzem e geram riqueza, emprego e equidade para as suas populações, suas regiões e para o Brasil como um todo. Os municípios produtores não apenas merecem, mas precisam do retorno em termos de distribuição da parcela do IBS de uma maneira que seja proporcional aos seus investimentos em infraestrutura, produção, prestação de serviços etc.”, finalizou Hadassah Santana.